Pensamento-cinema 1 – 2013.2


Este projeto de extensão, Spinoza e o cinema, se dará nos moldes de um curso. Ele está adequado ao projeto de pesquisa sobre a Democracia em Spinoza, desenvolvido no quadro da Área de Filosofia e Artes da Universidade Federal do Tocantins.

Spinoza (1632-1677) não conheceu o cinema. Portanto, num primeiro nível, não se trata de expor uma teoria spinozista do cinema. Antes o contrário, trata-se de valer-se do cinema para expor o pensamento e a filosofia de Spinoza. Esta exposição é o objeto primeiro deste projeto.

A filosofia spinozista, apesar de clássica, está presente no pensamento contemporâneo. Os seus conceitos e instrumentos intelectuais, que compõem uma ontologia da potência, uma ética da alegria e uma política da multiplicidade, são retomados por importantes pensadores contemporâneos (como Gilles Deleuze, Toni Negri, Laurent Bove, Antonio Damasio, entre tantos outros) como impulso espiritual e material para se renovar o pensamento do presente.

A sessão cinematográfica provoca no espectador um estado afetivo e intelectual que envolve sentimentos e noções de inteligibilidade no esforço reflexivo-interpretativo (este esforço é, segundo Spinoza, o próprio conatus, a essência singular correspondente a cada uma mente). Por um lado, o filme, elemento comum a todos os seus espectadores, e, por outro, este estado afetivo e intelectual, em certa medida próprio a cada uma das mentes singulares, constituem uma situação propícia, objetiva e subjetivamente, a partir da qual se pode dar uma exposição do pensamento de Spinoza e uma interpretação do filme.

Este projeto de extensão conta com a parceria da Fundação Cultural de Palmas. O pessoal da Fundação participará da seleção dos filmes. E se encarregará da disponibilização do suporte material. As projeções cinematográficas serão realizadas no espaço de cine-cultura da Fundação, a Sala Sinhozinho. A Fundação assumirá também parte da divulgação do projeto (a outra parte será realizada nos campi da UFT).

Assim, além de visar promover, no plano do pensamento, a interdisciplinaridade e o cruzamento entre arte e filosofia, este projeto de extensão procura, no domínio espacial, estender o alcance da universidade para além de seu lugar de costume, o campus.

O projeto de extensão Spinoza e o Cinema estará aberto não apenas ao público universitário como também ao público interessado não universitário.

1. Metodologia e plano de trabalho

A filosofia de Spinoza será abordada, em seis encontros, a partir de seis temáticas principais, às quais corresponderão seis sessões cinematográficas. Vale lembrar que a curadoria filmográfica será realizada em colaboração com o pessoal da Fundação Cultural de Palmas e de acordo com as suas disponibilidades.

1.1. Temas dos encontros

Os temas spinozistas desenvolvidos nos encontros serão os seguintes:

– A potência infinita da natureza
FILME: Microcosmos, 1996, de Claude Nuridsany e Marie Pérennou

– O corpo e a alma
FILME: Frankenstein, 1931, James Whale

– O desejo e a lógica dos afetos
FILME: M, 1931, Fritz Lang

– A resistência à melancolia
FILME: Melancholia, 2011, Lars von Trier

– O indivíduo e a comunidade (o uno e o múltiplo)
FILME: El ángel exterminador, 1962, Luis Buñuel

– A religião e a política
FILME: O Moinho e a Cruz, 2011, Lech Majewski 


1.2. Plano dos encontros

Cada encontro (de três horas) será dividido em quatro momentos.

(1) Introdução e exposição do tema
(2) Sessão cinematográfica
(3) Desenvolvimento do tema e interpretação
(4) Questões e colocações do público

1.3. Plano dos encontros e carga horária

Os seis encontros serão mensais, a partir de agosto de 2013 até dezembro. As datas precisas serão estipuladas em conjunto com a Fundação Cultural de Palmas, considerando a disponibilidade da Sala Sinhozinho.

Este projeto de extensão corresponde à carga horária de uma disciplina de 15 horas-aula.

Os inscritos no curso de extensão poderão receber, conforme a sua participação, certificados de frequência ao término do curso.

1.4. Avaliação

Ao final deste projeto de extensão, uma avaliação dos seus efeitos será conduzida em conjunto com a Fundação Cultural de Palmas. Caso se mostre favorável, o projeto poderá continuar e iniciar uma outra etapa em 2014.

2. Bibliografia

SPINOZA, Benedictus de. Traité de la réforme de l’entendement [1661]. Trad. Michelle Beyssade. In: Oeuvres 1: Premiers écrits. Paris: PUF, 2009.

________. Court Traité [1662]. Trad. Joël Ganault. In: Oeuvres 1: Premiers écrits. Paris: PUF, 2009.

________. Correspondance. Trad. Maxime Rovere. Paris: GF Flammarion, 2010.

________. Tratado teológico-político. Trad. Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1670].

________. Ethica-Ética: edição bilingüe latim-português. Trad. Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2007 [1675].

________. Tratado político. Trad. Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2009 [1677].


TEMA 1 – A potência infinita da natureza 
FILME: Microcosmos,

Ética 1, proposição 16: “A partir da necessidade da natureza divina, devem se seguir infinitas coisas de infinitos modos, isto é, todas as coisas, as quais possam cair sob o intelecto infinito”.

A potência da natureza é caracterizada por Spinoza pela capacidade da natureza de produzir uma infinidade de coisas, de infinitas maneiras. Todo existente e toda disposição de existentes é um efeito da natureza, deriva dela, e se deduz da suas leis. Essa produção infinita de uma infinidade de entes singulares não é aleatória, mas se dá conforme a necessidade e as leis da natureza. O que é inconcebível para a natureza como intelecto infinito não se produz, não ocorre. A natureza divina é a causa de tudo, e este tudo não é determinado ou limitado, senão pelo intelecto divino, e, por isso mesmo, é infinito.

TEMA 2 – O corpo e a alma

Ética 3, proposição 2, escólio: “a alma e o corpo são uma só e mesma coisa, a qual é concebida ora sob o atributo do Pensamento, ora sob o da Extensão”.

Na ontologia spinozista, a todo corpo (humano ou não) corresponde uma alma de potência equivalente à complexidade do corpo, toda alma é uma parte do intelecto divino infinito, e todo corpo é uma parte da divina natureza. O corpo é o objeto primeiro de sua alma. Mas não é a alma que governa o corpo, nem é o corpo que corrompe a alma. Poderíamos falar, a respeito de Spinoza, de um dualismo em paralelo. A alma e tudo que nela se passa são referidos ao plano do pensamento. Assim como o corpo e tudo o que nele se passa são referidos ao espaço ou ao plano dos corpos extensos. Ou de um monismo, pois o corpo e a alma são expressões de uma só e mesma coisa singular. As modificações de um corpo devem-se a ele próprio e aos corpos que ele encontra. As modificações da alma, por sua vez, justificam-se pela própria alma e pelo encontro das almas.

TEMA 3 – O desejo e a lógica dos afetos

Ética 3, prefácio: “Na sua maior parte, aqueles que escreveram acerca dos afetos e da maneira de viver dos humanos parecem tratar, não de coisas naturais que seguem as leis comuns da natureza, mas de coisas que estão fora da natureza. Até mesmo parecem conceber o humano na natureza assim como um império num império. Com efeito, creem que o humano perturba a ordem da natureza mais do que a segue, e que o mesmo possui uma potência absoluta sobre as suas ações, e que não é determinado por outra coisa além de si mesmo.”

Os afetos são modificações do corpo causadas pelo próprio corpo ou, na sua maior parte, por outros corpos. O desejo é o esforço conatural de um corpo para afirmar sua existência no encontro com os outros corpos, e para produzir no real, sobre os outros corpos, os seus efeitos próprios. Como resultante das modificações que o corpo padece, o desejo busca restabelecer o equilíbrio vital e, na medida do possível, ampliar a força de existir do corpo. Afetos e desejos constituem a trama que liga um corpo humano a todos os outros corpos, segundo uma lógica natural e necessária que determina as interações dos humanos uns com os outros. A teoria spinozista dos afetos pretende desvelar essa lógica em toda a sua complexidade.

TEMA 4 – A resistência à melancolia

Ética 4, segundo escólio que se segue ao segundo corolário da proposição 45: “Com efeito, por que seria mais conveniente extinguir a fome e a sede, do que expelir a melancolia? Esta é a minha razão e assim induzi meu ânimo.”

Em oposição a toda moralidade alienante, que provoque tristeza no sujeito moral, a ética spinozista é uma ética da alegria, em que o riso e o gozo não são, imediatamente, os sinais do pecado, da libertinagem e da depravação. O prazer e a alegria são, pelo contrário, sinais de um aumento da potência do indivíduo, da sua capacidade de pensar e de agir no mundo. A melancolia, a frieza, a recusa do gozo, a fraqueza da alma e a humildade não são as condições que precedem a salvação humana. É o viver alegre que aponta o caminho da liberdade.

TEMA 5 – O indivíduo e a comunidade (o uno e o múltiplo)

Ética 2, definição de indivíduo: “Quando alguns corpos de grandeza igual ou diversa são coagidos pelos outros corpos de maneira a se apoiarem uns nos outros ou se, numa alternativa, eles se movem, com velocidade igual ou diversa, mas de maneira a comunicar seu movimento uns aos outros segundo uma proporção que se mantém determinada, dizemos que estes corpos estão unidos uns aos outros, que todos eles juntos compõem um único corpo ou indivíduo, o qual se distingue dos outros por essa união de corpos.”

Todo corpo individual é composto de outros corpos: o indivíduo é ele mesmo um múltiplo. Por outro lado, todo corpo individual compõe com outros corpos um corpo maior: todo múltiplo articulado de corpos é ele mesmo um corpo. Os corpos humanos, conectados entre si pelos efeitos que produzem em comum, formam corpos políticos. E, arrebatado por afetos distintos e contrários, um único corpo pode constituir dinamicamente diversos corpos políticos a um só tempo.

TEMA 6 – A religião e a política

Tratado teológico-político, prefácio: “Facilmente, os humanos se deixam tomar por um tipo qualquer de superstição, dificilmente, porém, permanecem fiéis a uma só. Além disso, como permanecem afligidos e miseráveis, não se tranquilizam, e desejam ardentemente alguma novidade, a qual, ao contrário das velhas superstições, ainda não os deixou na mão. Essa inconstância foi causa de muitas guerras e tumultos. E como disse Quinto-Cúrcio: – nada é mais eficaz para reger a multidão do que a superstição.

Dessa maneira, facilmente, sob o falso aspecto da religião, a multidão é induzida a adorar seu Rei como um Deus, ou a execrá-lo como uma peste comum ao gênero humano.”

Spinoza assinala a natureza política da religião. Ela serve como argamassa afetiva da comunidade em torno de seus governantes, mas, também, na sua variação e sectarismo, é um elemento que propicia a justificação da rebelião e da sedição. É, em suma, um elemento de poder que mantém os seus fiéis seguidores unidos e, em geral, dominados, pelo Rei ou pelo clero ambicioso. Spinoza, ao contrário do que comumente se imagina, não condena as religiões em bloco. Ele conhece e valoriza, em parte, a sua capacidade instituinte, na produção sempre afetiva e imaginária dos corpos políticos. É preciso, porém, corrigi-las, conhecendo seus mecanismos de dominação, buscando neutralizar seus efeitos destrutivos sobre o tecido das relações da comunidade política como um todo, reduzindo-as, em sua eficacidade legisladora, a um núcleo dogmático comum, simples e acessível a todos os cidadãos.